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Não é só o que você come: relógio biológico também afeta diabetes
29 de abril de 2021 | escrito por Diego Calheiros
Sabemos que o que comemos e o quanto comemos tem consequências significativas para a saúde e pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas, como o diabetes tipo 2.
Essa doença cresce no mundo inteiro, com seus números quadruplicados nas últimas três décadas. A Federação Internacional de Diabetes estima que em 2040, o número de pessoas com diabetes chegue a 642 milhões.
As intervenções nutricionais, com foco na natureza e na qualidade dos alimentos e nutrientes, em conjunto com o tratamento medicamentoso, é a pedra angular no tratamento do diabetes.
Mas quanto a “quando” comemos? O nosso relógio biológico e os horários nos quais fazemos as refeições também poderiam ter implicações para a saúde e para o desenvolvimento de diabetes?
Os estudos têm mostrado que sim. E para reunir informações relevantes para os diabéticos em relação aos horários das refeições e a ingestão de nutrientes que influenciam o controle da glicemia, um trio de pesquisadores (Christiani Jeyakumar Henry, Bhupinder Kaur e Rina Yu Chin Quek) da Universidade de Singapura realizaram uma revisão publicada na revista Nutrition & Diabetes sobre a crononutrição no manejo do diabetes.
Relógio biológico, crononutrição e diabetes
Talvez “crononutrição” seja um termo estranho para muita gente e para entendê-lo vou iniciar por um outro termo mais comum a todos, o relógio biológico.
O relógio biológico é um nome popular que usamos para ritmo (ou ciclo) circadiano, objeto de estudo da cronobiologia (do grego: crono = tempo; bios = vida e logos = estudo), e diz respeito ao modo como o organismo se adapta durante o período do dia e da noite.
O ritmo circadiano prepara o corpo para os eventos ao longo do dia e da noite, como secreção hormonal, batimentos cardíacos, flutuações da temperatura corporal, ciclo do sono e tudo o mais.
Por exemplo, ter insônia à noite e sonolência durante o dia pode indicar uma desregulação nesse relógio biológico ou ritmo circadiano.
E é aí que também entra a Nutrição. Nos últimos anos, a ciência tem mostrado que esse relógio biológico também pode interagir com os nutrientes e influenciar o funcionamento do corpo, é o que chamamos de crononutrição.
Garantir a regulação do relógio biológico é crucial e influencia a ingestão alimentar, a regulação do peso, a obesidade, os processos metabólicos, a expressão e atividades envolvidas no metabolismo da glicose e, portanto, pode interferir no desenvolvimento de diabetes tipo 2.
Desse modo, é possível que o horário das refeições e até mesmo a ordem em que consumimos determinados alimentos afetem a concentração de glicose no sangue, como mostram os autores da revisão.
Diabetes e horário das refeições
De acordo com ele, o metabolismo da glicose e hormônios como insulina e cortisol seguem um ritmo circadiano por meio da variação diurna da tolerância à glicose.
A tolerância à glicose geralmente atinge o pico durante as horas de luz do dia, quando normalmente consumimos alimentos, e diminui durante a noite, quando, em geral, temos um período de jejum. Por isso, refeições realizadas em horários incomuns podem levar à intolerância à glicose e influenciar a manifestação de diabetes tipo 2. Sabendo disso, grande atenção deve ser dada à saúde dos trabalhadores noturnos, que por esse motivo podem apresentar uma tolerância à glicose reduzida.
Mas a preocupação não deve se limitar aos trabalhadores noturnos. Também foi encontrada uma associação entre pular o café da manhã (hábito comum hoje em dia) e o risco de desenvolver diabetes tipo 2. Um dos estudos pesquisados acompanhou 29.206 homens norte-americanos por 16 anos, e demonstrou um risco 21% maior de desenvolver diabetes tipo 2 entre aqueles que pulavam essa refeição.
Além disso, observou-se que comer uma refeição rica em carboidratos à noite (depois das 20h) resulta em aumento da glicemia em comparação com uma refeição idêntica consumida pela manhã. Por outro lado, estudos epidemiológicos relataram que o consumo de mais carboidratos do que gorduras pela manhã previne o desenvolvimento de diabetes e síndrome metabólica.
Portanto, os autores apontam a importância de considerar o momento da refeição, em vez de focar apenas em seu valor nutricional e consideram que modificar a composição de nutrientes das refeições, aumentando o teor de proteínas e gorduras, pode ser uma estratégia simples para melhorar a glicemia das refeições consumidas à noite.
A ordem dos alimentos
Ouvimos muito que a pessoa com diabetes não pode consumir determinados alimentos como açúcar, pão, tapioca, entre outros ricos em carboidratos. Na verdade, é possível comer de tudo mesmo convivendo com essa doença, desde que se saiba manejá-la. Uma das evidências encontradas pelos autores da revisão pode ajudar nesse manejo.
De acordo com os estudos, consumir gorduras e proteínas com alimentos ricos em carboidratos pode reduzir a resposta glicêmica. Ou seja, não é que a pessoa com diabetes não possa comer pão ou arroz, mas é preferível que ela os consuma acompanhados de alimentos como azeite de oliva, manteiga ou carnes.
Mas o mais interessante é que até a ordem de consumo dos alimentos parece influenciar a resposta glicêmica. Para uma refeição à base de arroz, seguir a sequência de consumir primeiro os vegetais, depois a carne e por último o arroz, tem grande potencial de redução da glicemia.
Isso sugere que o momento da ingestão desempenha um papel significativo na secreção de insulina que, por sua vez, tem impacto no controle da glicose.
Mais estudos sobre crononutrição são necessários
Com a tendência crescente das pessoas adotarem um padrão alimentar em que se come cada vez mais à noite, devido a vários fatores e mudanças no estilo de vida, torna-se muito importante entender como a alimentação se relaciona com o relógio biológico e, assim, contribuir para a prevenção de doenças crônicas, como o diabetes, e para a saúde em geral.
Desse modo, os pesquisadores trazem recomendações práticas, como modificar a composição das refeições realizadas à noite ou comer carboidratos em conjunto com proteínas e gorduras, levando em consideração a ordem de consumo dos tipos de alimentos.
Eles acreditam que essas estratégias podem ajudar na prevenção e no manejo do diabetes sem focar apenas nos nutrientes. Mas também apontam que ainda há muito a ser descoberto e esperam que esta revisão estimule mais pesquisas que permitam compreender como a crononutrição pode ser usada com eficácia no enfrentamento da crescente prevalência de diabetes tipo 2.
Fonte: Uol